Capítulo 6

Penso, logo decido?

Onde todos pensam igual, ninguém pensa muito.
Walter Lippmann

As nossas crenças, moldadas por experiências passadas, expectativas e valores, atuam como lentes que direcionam a forma como percebemos e interagimos com o mundo. Frequentemente, acreditamos estar fazendo a melhor escolha com base em nossa experiência, mas quando as coisas não saem como esperado e nos sentimos frustrados, começamos a nos perguntar se realmente tomamos a melhor decisão. Mas será que somos nós mesmos que escolhemos?

Ao utilizar um produto digital, o usuário não o faz de forma neutra. Ele carrega consigo uma bagagem de conhecimentos prévios e expectativas que influenciam diretamente suas decisões durante a interação com a interface, desde a interpretação de elementos visuais até a compreensão da funcionalidade do produto.

Essa bagagem de crenças e experiências condiciona o usuário a esperar certos padrões e comportamentos da interface. Compreender o poder dessas crenças na tomada de decisão do usuário é essencial para projetar interfaces mais eficazes e intuitivas.
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O poder da tomada de decisão

As interações do usuário com interfaces digitais são influenciadas por suas experiências prévias, expectativas e vieses comportamentais. Ao invés de tomar decisões de forma totalmente racional e consciente, o usuário é, muitas vezes, guiado por atalhos mentais e reações condicionadas.

Nossas decisões, mesmo as mais racionais, são permeadas por atalhos mentais que moldam nossas escolhas.

Nosso cérebro busca constantemente economizar energia cognitiva, utilizando heurísticas – atalhos mentais – para tomar decisões rápidas no dia a dia. Embora eficientes em muitos casos, essas heurísticas podem resultar em erros sistemáticos de julgamento e percepção, levando aos chamados vieses cognitivos.

Quando falamos em interfaces digitais, o condicionamento do usuário se manifesta através de suas expectativas e comportamentos automatizados. Acostumado a certos padrões visuais e funcionais, o usuário pode tomar decisões baseadas em suposições, sem plena consciência das informações apresentadas.

Por exemplo, a posição usual do botão “enviar” em formulários pode levar o usuário a clicar em um local específico da tela sem ler atentamente o conteúdo, tornando-o vulnerável a erros ou manipulações.

A influência cada vez maior da tecnologia na tomada de decisão do usuário levanta questões éticas importantes. Recursos como notificações push, sistemas de recomendação personalizados e mensagens direcionadas podem ser utilizados para persuadir o usuário, explorando seus vieses e condicionamentos. A capacidade da tecnologia hoje em moldar o comportamento humano exige muita atenção e responsabilidade por parte dos designers.

Rápido e devagar: duas formas de pensar

Neste livro, Kahneman explora o conceito de heurísticas e vieses cognitivos, aprofundando a dicotomia do “Sistema 1” (inconsciente e rápido) e “Sistema 2” (lento e analítico) no processo de tomada de decisão. O poder da tomada de decisão, neste caso, reside em encontrar um equilíbrio entre a eficiência do Sistema 1 e a análise crítica do Sistema 2, buscando decisões mais conscientes e alinhadas aos nossos verdadeiros objetivos.

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Compreender e aplicar o conhecimento sobre vieses comportamentais é essencial para o desenvolvimento de interfaces éticas e transparentes. Ao invés de simplesmente explorar os vieses para alcançar objetivos específicos, os designers devem buscar criar produtos que promovam a autonomia do usuário, fornecendo informações claras, alternativas conscientes e um ambiente digital seguro para a tomada de decisão.

A influência dos vieses comportamentais

Os vieses comportamentais muitas vezes influenciam as decisões do usuário em interfaces digitais sem que ele tenha consciência disso. Esses vieses atuam como “atalhos mentais” que simplificam o processamento de informações e aceleram a tomada de decisão, mas podem levar a escolhas enviesadas e até prejudiciais.

Este gráfico apresenta um mapeamento de 188 vieses comportamentais realizado por Buster Benson e compilado visualmente por John Manoogian III, que nos dá uma ideia da amplitude de condicionamentos criados pela nossa mente para criar atalhos rápidos para a tomada de decisão.

Em vez de analisar racionalmente todas as opções, o usuário se baseia em experiências passadas, padrões preexistentes e expectativas, tornando-se suscetível aos vieses. Esses atalhos mentais, embora úteis no dia a dia, podem ser explorados no design de interfaces para influenciar o comportamento do usuário de forma sutil e, muitas vezes, imperceptível.

Baralho de vieses cognitivos

Um ótimo material de referência para quem quer se aprofundar no universo dos vieses comportamentais é este belíssimo produto criado por Richard Jesus, referência no estudo desta ciência aplicada na experiência do usuário, que apresenta os 100 principais vieses em seus conceitos e aplicações práticas na criação de produtos digitais. Uma ótima forma de fundamentar as decisões de design a partir de evidências já estudadas.

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Um bom exemplo é o “Viés de Ancoragem“, no qual o usuário se fixa em uma informação inicial, como um preço de referência, ignorando outros fatores relevantes. Sites de comércio eletrônico podem explorar esse viés destacando um desconto em relação a um preço original inflado, levando o usuário a crer que está fazendo uma ótima compra.

Outro viés poderoso é o “Efeito de Enquadramento“, onde a forma como a informação é apresentada influencia a decisão do usuário. A “Aversão à Perda”, por exemplo, pode ser explorada para persuadir o usuário a realizar uma compra, optando por uma linguagem que enfatiza o que ele pode perder se não aproveitar a oferta.

Enviesados

Neste livro, Rian Dutra demonstra como o design, a linguagem utilizada e a apresentação da informação podem ser utilizados estrategicamente para despertar gatilhos mentais e influenciar o comportamento do usuário. O autor argumenta, no entanto, que essa influência deve ser ética e transparente, e que o designer deve criar produtos que conduzam o usuário a decisões conscientes e alinhadas com seus verdadeiros objetivos, sem recorrer à manipulação.

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Compreender esses vieses é essencial para os designers, pois a linguagem utilizada e a apresentação das informações podem ser utilizadas de forma estratégica para influenciar o comportamento do usuário. No entanto, é fundamental que essa influência seja ética e transparente, priorizando a autonomia do usuário e evitando a manipulação.
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Os princípios do design de interação

O design de interação é a arte de criar produtos interativos que apoiem as atividades do dia a dia dos usuários criando experiências intuitivas, eficazes e prazerosas. Para isso, é crucial entender como as pessoas interagem com os produtos digitais, considerando seus objetivos, necessidades, expectativas e, principalmente, seus vieses comportamentais.

A partir desse entendimento, o designer pode usar os princípios do design de interação como a estética, legibilidade, usabilidade e funcionalidade para criar interfaces que guiam o usuário de forma sutil, aproveitando os vieses comportamentais para tornar a experiência mais fluida e intuitiva.

Laws of UX

Este site apresenta uma coletânea das melhores práticas da psicologia aplicada ao design de interfaces para ajudar a criar produtos que tenham maior percepção de valor pelos usuários. Essas regras são particularmente úteis para justificar decisões de design que auxiliem o usuário ao longo de sua jornada de um produto digital.

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Imagine, por exemplo, um site de comércio eletrônico que busca aumentar a taxa de conclusão de compras. Utilizando a Lei de Fitts, o designer pode posicionar o botão “Finalizar Compra” em um local de fácil acesso, tornando-o grande e visualmente chamativo, o que aumenta a chance de o usuário clicar nele. Simultaneamente, micro-interações sutis, como uma pequena animação ao adicionar um produto ao carrinho, podem ser incorporadas para fornecer feedback positivo ao usuário, explorando o viés da reciprocidade e incentivando-o a continuar interagindo com a interface.

Outro exemplo é a aplicação da Lei de Jakob, que enfatiza a importância da familiaridade. Ao seguir padrões de design já consolidados, como a posição do menu de navegação ou o ícone de pesquisa, o designer garante que o usuário se sinta em um ambiente familiar, reduzindo a carga cognitiva e permitindo que ele se concentre na tarefa principal. Você pode conferir como aplicar esta lei na construção de interfaces no capítulo “Não me faça pensar“.

A familiaridade com padrões de design diminui a carga cognitiva e permite que o usuário se concentre na tarefa, não na interface.

No entanto, a influência sobre o comportamento do usuário por meio do design de interação deve ser sempre ética e transparente. É fundamental que o usuário se sinta no controle de suas interações, com acesso a alternativas claras e feedback honesto sobre suas ações. O objetivo não é manipular o usuário, mas sim guiá-lo de forma sutil e respeitosa, capacitando-o a tomar decisões conscientes e alinhadas com seus reais interesses.

Como ajudar o usuário a tomar as melhores decisões?

Como designers, temos o desafio de usar o conhecimento sobre os vieses comportamentais não para manipular, mas para empoderar o usuário a tomar decisões mais conscientes e alinhadas com seus objetivos no uso de produtos digitais.

O primeiro passo é reconhecer que o usuário, muitas vezes, não está ciente da influência dos vieses em suas escolhas. As heurísticas, como vimos, agem como “atalhos mentais” que simplificam a tomada de decisão, mas podem levar a escolhas enviesadas. Neste caso, o designer tem a responsabilidade de usar esse conhecimento de forma transparente, guiando o usuário sem privá-lo de sua autonomia.

O viés é o vento que impulsiona as velas da decisão do usuário e o designer é o timoneiro que o guia.

Um exemplo prático de como utilizar um viés comportamental para ajudar o usuário no seu processo de decisão é o “Efeito de Primazia”, que descreve como temos maior probabilidade de lembrar do primeiro item de uma lista. Em vez de apenas listar produtos aleatoriamente em um site de comércio eletrônico, a interface poderia apresentar primeiro os itens mais relevantes para o usuário, com base em seu histórico de navegação ou compras anteriores. Essa personalização sutil aumenta a chance de o usuário encontrar o que procura rapidamente e tomar uma decisão de compra mais assertiva.

As armas da persuasão

Neste livro, Robert Cialdini apresenta seis “gatilhos mentais” (reciprocidade, escassez, autoridade, compromisso e consistência, prova social e afeição) e como estes podem ser utilizados para influenciar decisões no mundo dos negócios. O autor também defende que, ao entender esses atalhos mentais, designers e profissionais de marketing podem usá-los eticamente para criar produtos e experiências mais persuasivas, mas ressalta a importância da ética e da transparência para evitar a manipulação do usuário.

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Outro exemplo seria usar o “Viés de Custo Irrecuperável”, que nos leva a persistir em decisões mesmo quando não são mais vantajosas, apenas porque já investimos tempo, dinheiro ou esforço nelas. Uma interface de aprendizado de idiomas online poderia usar esse viés de forma ética para incentivar o usuário a continuar praticando. A cada novo exercício ou lição concluída, a interface poderia destacar o progresso do usuário e o esforço já investido, motivando-o a continuar aprendendo e evitando que ele desista do curso prematuramente.

É fundamental lembrar que a ética deve ser o fio condutor de todo esse processo. Cabe ao designer questionar constantemente se as técnicas utilizadas estão empoderando o usuário ou apenas o empurrando em uma direção pré-determinada. Na medida que utilizamos os vieses comportamentais reforçando positivamente as decisões do usuário, aumentamos sua percepção de valor e seu nível de confiança, e por consequência, seu engajamento e satisfação.

Psicologia e comportamento

Projetar sem entender a psicologia do usuário é como navegar sem mapas: você até pode chegar a algum lugar, mas dificilmente será o destino desejado.

Entender o comportamento do usuário significa ir além de simplesmente conhecer seus gostos e preferências. É preciso mergulhar em suas motivações, expectativas, frustrações e até mesmo em seus vieses inconscientes. Somente com essa compreensão profunda podemos projetar experiências verdadeiramente relevantes, satisfatórias e prazerosas.

Afinal, o objetivo final do design de interação não é apenas criar produtos esteticamente agradáveis, mas sim produtos que atendam às necessidades reais dos usuários, tornando suas vidas mais fáceis, produtivas ou divertidas.

Leis da Psicologia aplicadas à UX

Neste livro, Jon Yablonski explora como a compreensão da cognição humana, através de leis como a de Jakob, Fitts, Hick e Miller, permite projetar interfaces mais intuitivas e eficazes. O autor argumenta que, ao considerar os modelos mentais dos usuários, suas capacidades cognitivas e a forma como tomam decisões, os designers podem criar produtos que se alinhem ao comportamento humano, em vez de forçá-los a se adaptarem a sistemas complexos e não intuitivos.

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A Lei de Hick, por exemplo, nos alerta para o problema da escolha excessiva, mostrando que um número grande de opções pode, na verdade, prejudicar a tomada de decisão. Você pode conferir mais sobre a aplicação desta lei na comunicação de interfaces no capítulo “Quanto mais simples melhor“.

Design do dia a dia

Neste livro, Donald Norman argumenta que um bom design deve ser intuitivo e considerar os modelos mentais dos usuários, suas expectativas e seus conhecimentos prévios sobre o funcionamento das coisas. Ele defende que interfaces confusas e complexas sobrecarregam a capacidade cognitiva do usuário, dificultando a tomada de decisão e levando à frustração.

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Ferramentas como personas, jornadas do usuário e mapas de empatia são outros exemplos de como podemos utilizar a psicologia para entender o usuário de forma mais profunda. Essas ferramentas nos permitem visualizar o produto através dos olhos do usuário, compreendendo seus objetivos, motivações e pontos de dor. Ao entender o que o usuário busca, quais dificuldades ele enfrenta e como ele se sente em cada etapa da interação, podemos projetar interfaces mais intuitivas, úteis e funcionais.

The Psychology of Design

Este site reúne uma coletânea de 106 vieses cognitivos que influenciam a experiência do usuário no uso de produtos digitais a partir de quatro perspectivas baseadas no ciclo de decisão (informação, significado, tempo e memória), facilitando a compreensão da aplicação desses princípios para a criação de interfaces mais intuitivas, persuasivas e fáceis de usar.

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O estudo da psicologia e dos vieses comportamentais, embora fundamental para a criação de interfaces eficazes, não deve ser utilizado para manipular o usuário. Pelo contrário, o objetivo é usar esse conhecimento de forma ética e transparente para empoderar o usuário, guiando-o para escolhas mais conscientes e alinhadas com seus verdadeiros objetivos.
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Para pensar

Devemos questionar constantemente nossas crenças e premissas como designers. É fácil cair na armadilha de acreditar que nossas preferências estéticas, hábitos de navegação e compreensões sobre funcionalidade sejam universais. No entanto, a psicologia nos mostra que cada usuário é único, com suas próprias experiências, expectativas e modelos mentais, moldados por suas interações com o mundo digital e o mundo real.

A psicologia nos oferece ferramentas poderosas para criar interfaces mais eficazes, mas é crucial lembrar que a mera aplicação de “leis” e princípios, sem considerar o contexto específico do produto, do público-alvo e das tarefas a serem realizadas, pode ser ineficaz. A chave para o sucesso em UX reside em cultivar uma cultura de empatia e experimentação, questionando nossas suposições, testando nossas ideias com usuários reais e estando dispostos a abandonar crenças ou decisões que se mostrarem equivocadas.

A psicologia nos equipa com o conhecimento, mas é a nossa capacidade de autocrítica, observação e escuta que define o verdadeiro sucesso na criação de produtos digitais relevantes e significativos.
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Antes de Seguir em Frente

Analise a interface do seu produto: Ela respeita os princípios básicos do design de interação? As decisões do usuário são guiadas de forma intuitiva e clara?

Identifique os vieses comportamentais em jogo: Como eles estão influenciando a experiência do usuário? É possível utilizá-los de forma ética para melhorar a usabilidade do produto?

Incorpore a pesquisa com o usuário em seu processo de design: Realize testes de usabilidade, entrevistas e análises de dados para entender como os usuários interagem com seu produto e utilize esse conhecimento para orientar suas decisões de design.

Mantenha-se atualizado sobre as leis da psicologia e como elas se aplicam à UX: O campo da psicologia aplicada à UX está em constante evolução, com novas pesquisas e descobertas surgindo a todo momento.

Referências bibliográficas

1 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Objetiva, 2012.

2 YABLONSKI, Jon. Leis da Psicologia Aplicadas à UX. Novatec, 2020. 

3 NORMAN, Donald A. O Design do Dia a Dia. Anfiteatro, 2006.

4 CIALDINI, Robert B. As Armas da Persuasão: Como Influenciar e Não Se Deixar Influenciar. Sextante, 2012.

5 DUTRA, Rian. Enviesados. Clube de Autores, 2022.

6 BENSON, Buster. The Cognitive Bias Codex.

7 JESUS, Richard. Baralho de Vieses Cognitivos.

8 YABLONSKI, Jon. Laws os UX.

9 BENONI, Dan. LAVALLEE Louis-Xavier. The Psychology of Design.

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Gabriel Oliveira

Especialista em Comunicação Digital, UX/UI e Design Thinking, atua como consultor na EximiaCo ajudando as empresas a utilizarem a tecnologia para gerar mais resultados.

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