* Podcast gerado com Notebook LM
Para fazer boas perguntas, precisamos de um repertório rico e bem estruturado. Um repertório raso resulta em perguntas rasas, que frequentemente levam a respostas igualmente superficiais. Quando não sabemos o que perguntar, acabamos seguindo caminhos que podem nos afastar da compreensão profunda do problema.
Só sei que nada sei
Buscar o conhecimento é uma jornada que não apenas amplia nossa compreensão do mundo, mas também nos ajuda a entender melhor a nós mesmos e as questões mais profundas da vida. Esse processo prepara nossa mente para estar sempre aberta a diferentes perspectivas do saber. Quando acreditamos que sabemos o suficiente sobre algo, criamos um pré-conceito que nos impede de enxergar outras possibilidades. Manter nossa mente aberta é essencial para estar em constante busca de perguntas que abram novos horizontes, em vez de respostas que condicionam e limitam nosso pensamento.
Em um mundo cada vez mais guiado por dados e opiniões, admitir que não se sabe o suficiente sobre algo é o primeiro passo para uma abordagem centrada no usuário. Essa postura, inspirada no pensamento socrático, nos convida a abandonar nossas certezas para abrir espaço para a exploração. No design de produtos digitais, essa mentalidade é essencial, pois frequentemente partimos de pressupostos que nem sempre refletem a realidade do usuário.
![]() |
![]() |
Reconhecer nossa ignorância nos coloca em uma posição mais empática e curiosa, permitindo questionar, observar e aprender de forma genuína. Mais do que buscar respostas imediatas, o verdadeiro valor está em saber quais perguntas abrirão o caminho para entender os desafios e desejos coletivos. Afinal, enquanto as respostas muitas vezes são limitadas pela perspectiva de quem responde, as perguntas podem ser uma ponte para enxergar o mundo através de diferentes lentes.
Maiêutica e pensamento crítico
A maiêutica, uma técnica filosófica criada por Sócrates, consiste em usar perguntas para ajudar as pessoas a descobrirem conhecimentos que já possuíam, mas que estavam ocultos. O termo deriva do grego e remete à ideia de “parir” ideias, e se conecta com o educere, termo em latim que significa “conduzir para fora”.
As perguntas têm o poder de evocar conhecimentos e entendimentos que muitas vezes o próprio indivíduo não sabia que possuía. Sócrates, que se denominava “parteiro de ideias”, acreditava que o conhecimento das coisas já estava presente dentro das pessoas e que as perguntas ajudavam a trazer esse saber para fora.
Considerando hoje as possibilidades com a inteligência artificial, quando sabemos fazer perguntas bem contextualizadas, específicas e objetivas, conseguimos ir além do entendimento habitual e abrir um novo horizonte de possibilidades que nos levam a um entendimento mais amplo e profundo dos problemas. Só que este universo só se abre na medida em que nos apropriamos do contexto do cliente e criamos o repertório necessário para dar vazão a este processo criativo.
![]() |
![]() |
No contexto do design thinking e da experiência do usuário, o processo maiêutico pode ajudar a desafiar pressupostos e promover um pensamento crítico essencial para criar soluções inovadoras. Perguntas bem formuladas podem revelar problemas ocultos, gerar insights profundos e direcionar o desenvolvimento de produtos de maneira mais inteligente e eficaz.
Mais do que buscar respostas prontas, o processo de perguntar envolve construir um entendimento coletivo sobre o problema. Isso cria um terreno fértil para inovações significativas, permitindo que equipes e usuários colaborem na identificação de soluções.
A armadilha dos vieses cognitivos
Por mais que exploremos as diferentes perspectivas do conhecimento, não estamos imunes às armadilhas dos vieses cognitivos, que são distorções sistemáticas no nosso julgamento. Esses vieses moldam frequentemente as respostas que recebemos, limitando nossa capacidade de enxergar soluções ou compreender plenamente os problemas.
![]() |
![]() |
O viés de confirmação, por exemplo, nos leva a buscar informações que reforcem nossas crenças preexistentes, ignorando dados que poderiam contradizê-las. Outro exemplo é o viés do enquadramento, que influencia significativamente a forma como as perguntas são percebidas dependendo de como são apresentadas. Esses mecanismos, embora naturais ao pensamento humano, podem dificultar o desenvolvimento de soluções criativas e precisas.
Para entender melhor como os vieses cognitivos influenciam nossas decisões, veja também o capítulo “Penso, logo decido“, onde exploramos como essas distorções sistemáticas utilizam nosso sistema de crenças para enviesar nossas escolhas. A arte de questionar, portanto, se torna essencial, pois as perguntas são uma ferramenta poderosa para escapar dessas armadilhas. Ao questionarmos nossas interpretações e confrontarmos nossas certezas, conseguimos minimizar os vieses cognitivos, abrindo espaço para uma análise mais equilibrada e uma tomada de decisões mais consciente.
![]() |
![]() Rápido e devagar: duas formas de pensar Neste livro, Kahneman explora o conceito de heurísticas e vieses cognitivos, aprofundando a dicotomia do “Sistema 1” (inconsciente e rápido) e “Sistema 2” (lento e analítico) no processo de tomada de decisão. O poder da tomada de decisão, neste caso, reside em encontrar um equilíbrio entre a eficiência do Sistema 1 e a análise crítica do Sistema 2, buscando decisões mais conscientes e alinhadas aos nossos verdadeiros objetivos. |
Como fazer as perguntas certas?
Fazer as perguntas certas é tanto uma arte quanto uma ciência. Perguntas abertas estimulam reflexão e exploração, enquanto perguntas fechadas ajudam a validar hipóteses específicas. Técnicas como os “5 Porquês” e a “Árvore de Problemas” são ferramentas valiosas para investigar as causas raiz de um problema.
A técnica dos “5 Porquês” consiste em perguntar repetidamente “Por quê?” até chegar à causa raiz de uma situação, tal como nos ensina a maiêutica de Sócrates. Por exemplo, se uma equipe percebe que os usuários abandonam um carrinho de compras em um e-commerce, o primeiro porquê pode ser “Por que os usuários não concluem a compra?“. A resposta pode ser: “Porque o frete é caro“. O segundo porquê seria: “Por que o frete é caro?“. E assim por diante, aprofundando a investigação até atingir a raiz do problema. Essa simplicidade torna a técnica extremamente eficaz para resolver problemas complexos.
![]() |
![]() Platão: O Banquete No diálogo de Sócrates com Diotima em O Banquete, o amor é visto como um processo de ascensão ao conhecimento, alcançado por meio de perguntas reflexivas. Sócrates utiliza a arte de perguntar para desafiar ideias superficiais, guiando o interlocutor a enxergar verdades mais profundas. Assim, o diálogo demonstra como boas perguntas podem revelar significados maiores, transformando o pensamento e a compreensão da realidade. |
A “Árvore de Problemas”, é uma ferramenta visual que organiza problemas em uma hierarquia para identificar relações de causa e efeito. Ela parte de um problema central, que é representado no tronco da árvore, enquanto as causas são ilustradas nas raízes e as consequências aparecem nos galhos. Por exemplo, se o problema central for “a baixa satisfação do cliente”, as causas podem incluir “prazos de entrega longos” e “falta de suporte”, enquanto as consequências podem ser “perda de clientes” e “redução de vendas”. Essa abordagem facilita a visualização de onde intervir para solucionar o problema de forma eficiente.
Usando frameworks para estruturar o pensamento
Frameworks são estruturas organizadas que ajudam a orientar processos e a resolver problemas de maneira mais eficiente. Eles fornecem um conjunto de diretrizes ou etapas sistemáticas que facilitam a organização de ideias e a estruturação do pensamento. Ao usar um framework, é possível evitar a confusão em projetos complexos e garantir que as perguntas certas sejam feitas em cada etapa do processo, promovendo um entendimento mais claro e resultados mais eficazes.
Frameworks como o Double Diamond, o Design Sprint e o Lean Canvas fornecem uma estrutura poderosa para guiar o processo de questionamento em projetos de design. Cada etapa desses modelos é um convite para fazer as perguntas certas no momento certo, garantindo que não apenas compreendemos o problema, mas também exploramos soluções de forma sistemática.
Essas ferramentas ajudam a organizar o pensamento e evitam que nos percamos em detalhes irrelevantes. Por exemplo, no Double Diamond, a fase de descoberta (divergência) é onde perguntas amplas e exploratórias geram insights sobre o problema, enquanto a fase de definição (convergência) foca em perguntas mais específicas para refinar o escopo. Essa abordagem estruturada é essencial para criar produtos digitais com propósito e impacto.
Já o Canvas de Proposta de Valor, é um framework visual que auxilia na estruturação da visão do produto e do cliente, permitindo uma investigação aprofundada da proposta de valor de uma solução. Dividido em dois blocos principais, este canvas explora, através de perguntas investigativas, os perfis dos clientes (dores, ganhos e tarefas a serem realizadas) e como os produtos ou serviços podem atender a essas necessidades (aliviando dores e gerando ganhos). Essa ferramenta é particularmente útil para gerar insights, alinhar expectativas e refinar estratégias de produto.
![]() |
![]() Value Proposition Design Este livro ajudará a entender os modelos de propostas de valor, como aproximar-se do cliente e evitar despender tempo com ideias que não funcionarão. Mostrará ainda o simples, mas complexo, processo de desenvolver e testar propostas de valor e chegar ao resultado de criar produtos e serviços que se adaptam perfeitamente às necessidades ou aos desejos dos clientes. |
Os frameworks fornecem uma estrutura sistemática que potencializa a investigação e a solução de problemas, organizando o processo de forma clara e eficiente. Eles permitem que perguntas certas sejam feitas no momento adequado, alinhando equipes, promovendo insights e assegurando que soluções sejam desenhadas com base em um entendimento profundo do contexto e das necessidades dos clientes.
Para pensar
Antes de seguir em frente, reflita sobre as seguintes perguntas:
- Quais perguntas você fez recentemente que realmente mudaram a forma como você enxerga um problema?
- Você está explorando a fundo ou se contentando com respostas superficiais?
- Como seus vieses podem estar influenciando o tipo de perguntas que você faz e as respostas que você aceita?
- Que ferramentas você pode adotar para estruturar melhor suas próximas investigações?
Essas reflexões podem ajudar a fortalecer sua habilidade de fazer perguntas que geram impacto real em seus projetos.
Antes de seguir em frente
Saber fazer perguntas é uma competência que transcende o design, é uma habilidade de vida. Ao longo deste capítulo, vimos como as perguntas não apenas iluminam o caminho para soluções, mas também constroem conexões, promovem entendimento e desafiam o status quo.
Leve essas ideias para o seu próximo projeto e experimente o poder transformador de um questionamento bem-feito. Lembre-se: as respostas são temporárias, mas as perguntas certas podem abrir portas para descobertas que mudam tudo.